domingo, agosto 08, 2004

O calcanhar de Aquiles ou A arte de enfiar o dedo na ferida

Ontem, em uma missão suicida, fui ao shopping com a minha irmã e com a minha sobrinha comprar o presente do papai. Quando estávamos atravessando a rua, a minha sobrinha fez sinal na faixa de pedestre e um cara não parou. Quando ele passou por mim (o trânsito estava bem lento), iniciamos um diálogo delicado e educativo:

Eu: "Olha a faixa de pedestre, ô educado!"
Ele: "Piranha!"
Eu: "Só se você estiver falando com a sua mãe!"
Ele: "Vagabunda!"

Uma pessoa de poucas, porém significativas palavras, não?

Bom, eu fiquei com muita vergonha de ter feito aquela cena na frente da minha sobrinha, que tem só dez anos. Mas o que me deixou pensativa pelo resto da noite foram as palavras que ele usou para supostamente me ofender.

Estamos mais evoluídos no quesito liberação sexual, é verdade. Mas por que, sempre que uma pessoa quer ofender outra, usa termos relativos ao comportamento sexual, e com tom depreciativo? Se o alvo é uma mulher, as palavras são "piranha", "galinha", "vagabunda" e outras semanticamente semelhantes. Se for um homem, "bicha", "viado" (com "i" mesmo)...

E se eu , de fato, fosse uma piranha? No que ele estaria me ofendendo? Já tive minhas fases de galinhagem e admito sem me sentir diminuída. Nem participo daquelas conversas que rolam entre amigas, onde é revelado o número de relacionamentos que cada uma teve. Eu não tenho esse registro. Mas posso garantir que beijei e transei muito menos do que gostaria.

E no caso dos homens? Ser chamado de bicha ou de viado ofende? A opção sexual interfere no seu caráter? Chamar de bicha é a mesma coisa que chamar de ladrão?

Vamos reescrever a cena:

Eu: "Olha a faixa de pedestre, educado!"
Ele: "Egoísta, pessoa que não se importa com outros!"
Eu: "Só se você estiver falando com a sua mãe!"
Ele: "Incompetente, não consegue fazer seu trabalho direito. Burrinha!"

Aí sim, ele chegaria mais perto de me ofender. Mas não ofenderia, porque sei quem eu sou. E ele nem me conhece...

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