quarta-feira, setembro 08, 2004

Primeiro Amor

Dizem que o primeiro amor de uma garota é seu pai. Filha e pai estão quase sempre grudados, num eterno complô, onde a mãe proíbe e o pai permite, cheios de segredos e agrados, coisas só deles dois. A princesa do papai, o orgulho nos 15 anos, a ranha com o primeiro namorado, a emoção de levar a filha noiva ao altar.

No meu caso foi bem diferente. Meus pais se separaram quando eu tinha 9 anos de idade e acho que meu pai não sabia lidar muito bem com uma filha mulher. Filho homem sim, serve pra ir ao clube, acompanhar na pelada ou assistir ao Mengão na TV.

Durante toda a minha vida a ausência de meu pai foi completamente normal pra mim. Reforçando essa ausência tinha uma mãe de personalidade fortíssima. Linha dura, repressora em vários momentos, escorpiana vingativa e radical. Uma mãe que eu sempre amei de paixão, incondicionalmente.

Minha mãe vivia reclamando pra quem quisesse ouvir a falta de atenção que meu pai tinha comigo. Plantou na minha cabeça a idéia de que ele fazia falta, mas que ao mesmo tempo ele era dispensável. Ela era mais uma boa mãe separada se esforçando pra criar os filhos.

Assim, aprendi a viver sem meu pai. Sem ouvir seus conselhos, sem pedir suas opiniões. Durante um bom tempo até me recusei a falar com ele. Cruzava com ele na rua e fingia que não conhecia. Se ele me fazia falta? Eu jurava que não. Mas certa e dolorosamente, sim.

Quando me separei de meu marido, há quase dois anos, sofri uma grande perda: minha mãe parou de falar comigo. Ela sempre foi meu apoio, meu esteio, a seta que apontava minhas direções. E quando eu estava perdida, sem saber direito o que fazer, foi meu pai quem apareceu no meu caminho.

Sem fazer perguntas, sem proferir julgamentos, sem me indicar soluções ou caminhos. Apenas me estendendo a mão e dizendo que, por onde eu escolhesse caminhar, ele estaria ao meu lado.

Desse tempo todo pra cá, descobri meu pai. Acabei entendendo que, durante um bom tempo, ele estava ao meu lado. Mas estava quietinho, observando. Talvez com medo, porque eu e minha mãe não deixáramos vago o lugar que ele ocupava. Talvez acomodado, porque eu estava indo bem, mesmo sem ele.

Mas na primeira oportunidade surgida, ele não deixou a chance escapar. Agarrou com todas as forças e me puxou de volta pra ele. Aos quase 30 anos eu descobri meu pai.

Descobri que debaixo daquele jeito ranzinza tem um cara bem-humorado. Como eu.

Descobri que ele grita, berra e esperneia, mas dali a 5 minutos tudo está bem novamente. Como eu.

Descobri que ele é muito sem paciência com crianças, mas adora todas as que fazem parte da família. Como eu.

Descobri que se pode contar tudo pra ele (quase tudo né?). Só não mentiras. Como eu.

Descobri que ele pode não ter sido meu primeiro amor... Mas pode ser meu amor para sempre.

Nenhum comentário: