quinta-feira, julho 21, 2005

Fim

Cecília não sentia nada. Augusto tinha saído de casa naquele dia, comunicando-lhe que mandaria alguém buscar suas coisas. Ela poderia ficar no apartamento, ele lhe dissera. Ainda tinham consideração e respeito um pelo outro. Carinho, até. Não tinha havido traições ou desrespeito. Simplesmente acabara, de uma hora para outra. Passeou pela casa como um zumbi. Abriu os armários, tocou nos paletós dele. Ele sempre tivera muito bom gosto pra se vestir. Sentou-se na escrivaninha do escritório. Passou os dedos pelo laptop em que ele navegava na internet noites a fio. Ele sempre foi curioso. Mas ela sempre fora mais inteligente. Olhou para as paredes cheias de pinturas famosas. Ela o introduziu no mundo das artes, mas ele nunca realmente se interessara. Ela ficaria com todos os quadros. No estúdio, um piano de cauda jazia sozinho e silencioso. Ela não queria aquele trambolho em sua casa. Aquilo a faria lembrar-se de Augusto constantemente. O telefone tocou ao longe. Seus amigos ligando? Ou os amigos de Augusto? Sim, porque a partir daquele momento haveria uma divisão. Mas ela não sentiria falta dos amigos dele. Lembrou-se do aniversário do afilhado na próxima semana. Os dois eram padrinhos. Será que iam juntos à festinha? Entrou na cozinha e viu os restos do jantar que preparara na noite anterior. Os pratos preferidos de Augusto. Um vinho caro. Uma tentativa vã de resgatar alguma coisa da paixão que outrora sentiram um pelo outro. Casaram-se com dezoito anos, enlouquecendo seus pais. Olhou para a mesa recheada de caros porta-retratos. O casamento simples, no cartório. Viagens de férias. Natais e Reveillons. Sua família, a família de Augusto. Momentos felizes e que agora pareciam tão distantes. Como se nunca tivessem existido. Olhando para as fotos, notou que Augusto parecia não ter envelhecido um ano sequer. Pensando bem, ele realmente não mudara em todos esses anos. O mesmo jeito de menino. Sempre risonho, brincalhão. Sempre querendo mais. E ela... bem, ela mudara muito. Amadurecera. Augusto não entendia. Ela não podia mais ser aquela menina de antes. Era agora uma senhora casada, com responsabilidades. Tinha uma casa e um marido pra cuidar. Tinha. Foi o que os separara. Ele nunca mudou, mas ela nunca perdeu as esperanças de que ele mudasse. E ela mudou, mas ele sempre quis que ela continuasse a mesma...

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