terça-feira, outubro 05, 2004

História triste

Há muito tempo eu tive uma amiga muito querida. Ela veio de Petrópolis pra Brasília e não conhecia ninguém. Sua família veio transferida porque seu pai era responsável pela rede elétrica da parte nova do Parkshopping. Nos conhecemos no último ano do 2º grau. Ficamos grudadas.

Ela era tímida, quieta e muito, mas muito estudiosa. Eu era bagunceira, faladeira, mas tinha meu lado CDF. Eu prestaria vestibular para Comunicação e Relações Internacionais. Ela para medicina. Era a sua paixão. Sonhava em ser médica desde pequena. Seu pai lhe dizia que tinha dedos longos, bons para operar. Não vivia para outra coisa.

Prestamos o vestibular. Eu passei e ela não. Ela continuava estudando muito, fazendo cursinho, perseguindo seu sonho. Tentou o vestibular outras vezes e nada. Mas nunca pensou em desistir. Até que um dia ela conheceu um cara.

Ele era paulista, alto, loiro, olhos claros e bem bonito. Veio transferido pra cá pra trabalhar junto com o pai dela e também não conhecia ninguém aqui. Nada mais normal do que começar a frequentar a casa da moça. Daí para o namoro, foi um pulo. Em pouco tempo começaram a fazer planos de se casarem.

Só não me perguntem o porquê, mas eu nunca fui com a cara do sujeito. Podia ser ciúme, já que ela começou a passar muito mais tempo com ele do que comigo. Ou porque ele começou a não querer que ela saísse sem ele. Ou só comigo. Ou porque depois ele começou a proibir, sim PROIBIR as saídas dela, controlando até mesmo o horário que ela chegava do cursinho ou da academia.

Aliás, academia, nem pensar. Nada de ficar desfilando e suando para um bando de marombeiros. Cursinho pra que? Pensando bem, que história é essa de vestibular pra medicina? Ele queria uma esposa em casa, que cuidasse dele e dos filhos que iriam ter, por isso, nada de medicina, nada de hospitais e plantões de madrugada, fora do alcance de sua vigilância. Eu achando aquilo o maior dos absurdos.

Foi quando ela mudou. Desistiu das saídas. Desistiu dos poucos amigos. Desistiu da academia. Desistiu do cursinho. Desistiu do vestibular pra medicina. Matriculou-se num curso particular de técnico em enfermagem. Vivia para ele. Agora mais do que nunca eu continuava nutrindo uma antipatia gigantesca contra ele.

Ela engravidou. Casaram-se aqui em Brasília. Parecia um conto de fadas. Ela era linda, ele era lindo, as famílias dos dois eram lindas e de boa procedência. O casamento foi lindo. Foram embora de Brasília. Foram morar na cidade dele em São Paulo.

Na despedida vi que minha amiga não estava feliz. Mas vi também que ela queria muito tentar. Queria dizer a ela que estava tentando da maneira errada, que ela não precisava se anular pra ser feliz. Queria contar pra ela como eu me sentia em relação ao seu marido. Mas não disse nada. Ela também não. Senti que naquele instante estava dizendo adeus pra minha amiga, pra sempre. Ela também sentiu.

Meses se passaram sem notícias, o que eu já esperava. Acabava sabendo das coisas através de uma amiga da mãe dela que morava aqui. Fiquei sabendo do nascimento do bebê, um menino. Saudável e lindo. Fiquei sabendo que minha amiga era a própria esposa dedicada e dona de casa esmerada. Não trabalhava, não estudava. Nada. Eu ficava revoltada. Mas segundo as notícias ela parecia feliz.

Dois meses depois do nascimento do bebê, outra notícia. Minha amiga fugiu com os pais para o interior do sul do país. Fugia do marido. Depois da segunda surra que ele havia dado nela, quebrando-lhe os ossos da face direita e afundando seu rosto. A primeira surra havia sido quando ela ainda estava grávida.

Até hoje não sei onde minha amiga está morando. Sei que o marido passou um bom tempo à procura dela. Não tenho mais notícias e ninguém que possa fornecer um contato. Só rezo pra que ela esteja bem. E até hoje, passados quase 15 anos, continuo com raiva do tal sujeito.

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